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Três álbuns de jazz

Mais um post aqui no Música Sem Foco. Desta vez vou falar um pouco dos álbuns de jazz que tenho ouvido nestas últimas semanas. Fiquem à vontade para dar sua opinião!

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Tomasz Stańko – Music for K (1970)

Angustiante. Explosivo. Comovente. Lançado em 1970 “Music for K” é a dedicação de Tomasz Stańko a Krzysztof Komeda, falecido em 1969. Ambos os nomes são provenientes do jazz europeu, e especificamente o jazz polonês em uma estética propriamente nacional em relação à estetica do jazz norte americano.Um estudo amplo seria possível, em que examinaríamos a emergência desse estilo particularmente polonês de jazz, seus grandes idealizadores e popularizadores. No entanto nao tenho conhecimento suficiente e tampouco pretensões grandiosas. O que quero aqui é compartilhar com os amantes da música aquilo que tenho ouvido e admirado.

Krzysztof Komeda era pianista de jazz, band leader e compositor de trilha sonora para filmes. Foi o autor da trilha sonora de Rosemary’s Baby, dentre outros filmes. Tomasz Stańko é um dos mais famosos trompetistas da polônia, que tocou com Komeda em seu aclamado Astigmatic, de 1966. Inicialmente como um membro de banda, e futuramente como band-leader, Stánko tem lançado desde a década de 70 excelentes álbuns. Do trompetista também ouvi Dark Eyes, de 2009.

Em Music for K stánko e sua banda tocam post-bop, aquele jazz que se fixa exatamente no ponto entre o bebop e o free jazz. Não contitui um álbum-exemplo de bebop por ter notas mais longas, e andamentos variados entre explosões de pessimismo ao desespero rastejante. É um álbum em que as músicas se desenvolvem em diversos andamentos, sendo a aflição um sentimento constante durante o álbum todo. Também não é um álbum estritamente de free jazz porque as músicas têm temas e motivos que são apresentados no início, para então se desintegrar em um caldeirão de instrumentos raivosos e potentes. Em uníssono, e ao mesmo tempo em caos, os instrumentos gritam em catarse expelem desespero. Então o tema é retomado e a banda devolve o ouvinte exatamente aonde ele estava quando a peça começou. Mesmo as sessões em que os instrumentistas livremente improvisam e solam todos ao mesmo tempo guardam para si um senso de conjunto em que a angústia dá a liga. Os temas, tanto da primeira música – The Ambusher – quanto a faixa-título de 16 minutos, são memoráveis.

Como um comentário à parte, Astigmatic de Komeda também tem esse conteúdo de aflição e angústia; Dark Eyes de Stánko é bastante nublado e rastejante. Talvez a estética do jazz polonês inclua esta atmosfera de sofrimento. A peça de música clássica The Awakening of Jakob, usada no filme The Shinning de Stanley Kubrick, com sua seção de metais que a cada pulso parecem soprar terror nos cantos mais inabitados do ser,  e com cordas de violino e violoncelo que parecem raspar  a alma, é absolutamente horripilante e angustiante.

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Bobby Hutcherson – Dialogue (1965)

Acima, jazz europeu. Post-bop polonês. Aqui, jazz estadunidense. Post-bop do percussionista (vibrafone e marimba) Bobby Hutcherson. O conceito do álbum é o diálogo, em que ideias contribuem a partir de diferentes pontos de vista para formar uma integridade cujo poder total é muito maior do que a simples soma das forças individuais. Apesar de o álbum ser creditado a Bobby Hutcherson, muitas vezes o pianista Andrew Hill, compositor de 4 das 6 faixas do álbum e ávido cheirador de cocaína, é quem lidera. O estilo do pianista, famoso também pelo frenético álbum de bebop Black Fire, é imprevisível e independente. Quando ele lidera, é como se apresentasse um ponto de partida aos membros do grupo e ao mesmo tempo constituisse a vanguarda da peça. Ainda assim, por ser um diálogo, o álbum é absolutamente consensual, os músicos alternam-se entre os papeis de condutor da música e muitas vezes, como na faixa Idle While, percebe-se instrumentistas intensamente focados em sua própria seção, improvisando livremente, mas ao mesmo tempo em sintonia com o andamento e humor da composição. O álbum varia entre trechos mais mais rígidos, com temas fortíssimos, como o da abertura Catta, a seções mais livres e esparsas, com improvisos coletivos e simultâneos, como na faixa título. Algumas seções são mais melódicas, como Idle While a que Sam Rivers traz doçura com a flauta, e a sensual Ghetto Lights, já outras, como Les Noirs Merchants, e a própria Dialogue, são sombrias e intensas. Em alguns trechos me parece claro que o integrantes não estavam buscando necessariamente a beleza, ou não tinham a atenção de que o que compunham fosse agradável, mas sim queriam se envolver com o interplay e deixar a música fluir da forma que o arranjo, e a própria banda, assim desejassem. A última faixa não estava inclusa no LP lançado em 1965. Seu título, Jasper, é uma alusão perfeita ao êxtase e a vertigem do bebop.

O álbum foi lançado pela Blue Note, uma gravadora especializada em jazz avant-garde, que a partir de 1939 produziu e lançou renomados álbuns, como Blue Train de John Coltrane, Workout de Hank Mobley, o próprio Point of Departure de Andrew Hill e muitos outros. A gravadora conseguiu estipular um padrão de qualidade e estilo, bem como o desenvolvimento de técnicas específicas na cena do jazz avant-garde, e influenciou a história do jazz como um todo.

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Joe McDuphrey – Experience EP (2002)

Primeiro e único álbum solo de Joe McDuphrey, mais conhecido como o tecladista do Yesterdays New Quintet. O EP conta com a participação de Otis Jackson Jr na bateria,também do Yesterdays New Quintet, e Russel Jenkins no baixo. Quem produz e mixa o álbum é Madlib, com dave Cooley na masterização. Com exceção dos dois últimos nomes, todos os outros já citados aqui são fictícios.

Madlib by Chris Woodcock

Este é o universo de Madlib, “DJ, produtor e MC”, nesta ordem particular de importância, segundo o próprio Madib. É o homem a quem a lendária gravadora de jazz Blue Note entregou seu acervo para ser trabalhado, resultando no excelente Shades of Blue – Madlib Invades Blue Note. Está por trás também de colaborações como Champion Sound, em que se reveza com Jay Dee from Slum Vill: enquanto um rima, o outro produz a batida, e vice-versa. Madlib é também quem cede os enfumaçados e fat beats do álbum Madvillainy à disposição das rimas de MF DOOM. Madlib ainda tem tempo para produzir e lançar os álbuns do vilão Quasimoto, frequentador de strip clubs, também conhecido por fumar maconha atrás da igreja com o padre, e por na hora do aperto sempre conseguir se safar da polícia por não
apresentar “nenhuma evidência“.

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Como se fossem poucos – os projetos e os heterônimos – Madlib ainda consegue criar, desenvolver e alimentar o “Yesterdays’ Universe”: o Yesterdays New Quintet, assim como todos os seus integrantes, com diversos projetos solos, são fruto da fértil mente de Madlib.

Em Experience EP, Madlib, agora devidamente apresentado e desmascarado, incorpora todos os integrantes da banda, produzindo os arranjos, e desenvolvendo cada camada das músicas – o baixo, os solos de Fender Rhodes e sintetizador, e a bateria. Os métodos de composição de Madlib são um tanto obscuros. Pelas informações que tenho, e pela dedução que faço ao ouvir as músicas (podendo estar errado, portanto) tenho a impressão de que Madlib grava a si mesmo tocando bateria. Com o as gravações em mãos ele então, como o exímio DJ e beat maker que é, faz loops. Possivelmente Madlib também pode fazer o mesmo com o baixo: tocar e se auto-samplear ou talvez simplesmente criar as linhas de baixo eletronicamente. O mais fantástico para mim é como, neste caso em que seus beats compõem músicas com tema, desenvolvimento, refrão, a programação de bateria é absolutamente viva, com viradas e outras mudanças de intensidade e ritmo. Como o EP é do tecladista do YnQ, ouvimos no EP uma série de experiências como timbres, texturas e cores nas melodias que Madlib improvisa nos teclados.

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Ainda especulando, Madlib também pode simplesmente samplear bateristas para fazer a seção rítmica do EP. Como exemplo temos as gravações de Madlib com o percussionista brasileiro Ivan Conti. Mas, no final das contas, é muito mais provável que Madlib misture em sua expertise samples de outros artistas, de artistas que trabalham com ele e também dele mesmo.

Experience EP é um curto álbum de jazz. Bastante leve, com uma seção rítmica muitíssimo inovadora e curiosa, e também com várias camadas de teclados relaxantes, confortáveis e com atmosfera urbana. Destaque para Song For Airto, com sua bela melodia e solo de piano de Joe McDuphrey.

Aqui não se deve esperar virtuosismo nos teclados, mesmo que seja o trabalho solo do tecladista Joe McDuphrei. Madlib demonstra virtuose como um beat maker, um produtor que funde hip-hop e jazz de forma absolutamente única, e que neste álbum particularmente está interessado em experimentar mais livremente as possibilidades do teclado em sua música.

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