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The Industrialism – Entrevista com Cesar Pereira

Em um país em que “música eletrônica” é sinônimo de “música de balada”, artistas do gênero que buscam conseguir uma base sólida de fãs e reconhecimento para sair do underground passam por maus bocados. Isso é em parte devido ao preconceito dos brasileiros, que confundem qualquer coisa sob o rótulo “eletrônico” com dance music e também pela baixíssima tradição brasileira nesse setor: mesmo as músicas de balada são importadas de outros países. O que temos nas casas noturnas, na maioria das vezes, são DJs que fazem mixagens, mash-ups, das músicas mais populares da noite, sem compor algo próprio.

Dentro do underground brasileiro, entretanto, sobrevive uma cena muito criativa e prolífica, na qual os artistas, sem apoio de gravadoras com altos orçamentos para divulgação, desdobram-se para fazer seu trabalho chegar aos ouvintes.

Hoje, ineditamente aqui no Músicas em Foco, farei uma entrevista com Cesar, do The Industrialism, que está lançando seu novo álbum “Inconsequential Hallucinations”.

Primeiramente, por favor, introduza-se e nos diga o que você tem feito ultimamente.

Acho que nem introdução de mim mesmo eu sei fazer para começar, hahaha. Ultimamente, tenho feito minha rotina de sempre: compondo algo sempre que posso, ou seja, todos os dias. Depois desse álbum, quero me focar em duas coisas: a primeira é me focar em compor músicas do mesmo estilo do álbum “Inconsequential Hallucinations”, mas que seja uma faixa confortável para algum set ao vivo, já que to querendo fazer algumas performances ao vivo por aqui no Rio. Segundo, eu quero me focar em produção musical, com foco principal na música asiática, mesmo eu não tendo nenhuma espécie de “experiência” nesse assunto, mas deve ser no mínimo, interessante.

No The Industrialism, você assina as músicas como M1A1. Por que você usa esse codinome e o que ele significa?

Eu acho que essa é a pergunta mais comum que me fazem sobre o meu projeto, mas sempre digo uma resposta diferente, haha. Esse nome “M1A1” veio por vários motivos, mas pelo o que eu me lembro, havia uma música do álbum debut do Gorillaz chamada “M1 A1”. Como eu me lembrei que curtia demais essa música quando eu era criança, decidi por esse nome como o meu codinome, mas o significado do codinome, assim como o nome do meu projeto, é livre para interpretação, pois o ouvinte acaba criando sua própria interpretação do que é o The Industrialism para si próprio e não só passando como um projeto de um jovem que faz música de maluco sem graça, chato e sem futuro na vida, algo que eu realmente sou.

M1A1 dedica o álbum à irmã dele, vítima de um estupro, à namorada, morta em um acidente de carro, e a Tiffany Hocsmann, sobrevivente de overdose. Essas personagens e histórias são todas fictícias ou representam algum aspecto da sua vida como César?

Toda a história que envolve o álbum é verdadeira, desde as dedicatórias do álbum até a atmosfera fúnebre que envolve o álbum inteiro. Eu preferi deixar todas as metáforas e a “ficção” para a sonoridade do álbum, deixando uma sonoridade triste e depressiva, porém, ao mesmo tempo, abstrata e complexa.

Além do tom fúnebre da dedicatória, o booklet do álbum apresenta um texto de M1A1 confessando seus sofrimentos e pensamentos, que dão a “Inconsequential Hallucinations” uma sonoridade depressiva, melancólica e distante. Por que essa inclinação por esse tipo de som?

Eu acho que, o que eu quis mostrar com esse disco é que, mesmo numa “temporada de má sorte” que eu passei durante a gravação desse disco, eu pude usar toda a tristeza e melancolia que me rodeou essa época como influência para compor o disco. E é isso que falta na música de hoje: mesmo nos piores momentos, é legal ver alguém usando sua própria tristeza como influências. Hoje, eu vejo muito jovem iludido por aí (leia-se bandas de emo-rock e variantes) que dizem que se influenciam em seus sentimentos, mas o que vemos aí são cópias de tudo que é o “mainstream pop rock”.

Em comparação a seus outros lançamentos, “Inconsequential Hallucinations” conta com muito mais linhas melódicas, mas sem abandonar a agressividade do breakcore. Qual foi seu objetivo privilegiar o lado melódico de suas músicas?

Essa mudança melódica minha foi feita de repente. Lembro-me que sempre tentei fazer um estilo de música “pesadaum” e muito mais “bate estaca” que o normal, com melodias influências pelo metal e etc… Porém, isso nunca deu certo comigo, pelo mais que eu tentasse. Depois de um tempo, eu me perguntei se eu fizesse um estilo de música mais melódico seria mais fácil e que a composição no “overall” sairia melhor… E acabou que o resultado saiu mais recompensador do que eu esperava. O “Inconsequential Hallucinations” foi o primeiro álbum que apresenta a nova “fase musical” do meu projeto, se focando mais o lado melódico e misturando a agressividade do breakcore.

A instrumentação do álbum é muito variada. Quais instrumentos você usou na produção?

Eita… Lembrando assim de longe é difícil citar todos. Eu usei muita coisa nos álbuns, entre plugins no computador (quase 100 GBs de plugins), samples de breakbeats (uns 3 GBs por aí) e instrumentos reais. Eu queria um som oldschool no álbum, então optei por usar instrumentos e sintetizadores vintages, como guitarras do modelo Telecaster, os sintetizadores Moog Yoyager e o Modular, o Mellotron, um Yamaha CS-80 e o synth Prophet 5. Eu também usei sintetizadores digitais, como os plugins da Native Instruments, o FM8, Absynth e o Reaktor, mas o uso deles não é mostrado “muito de cara não”, o uso deles é mais pra encher o “background musical” mesmo. Na parte de masterização, usei os plugins iZotope Ozone 4 com a adição do Waves’ L3.

Na faixa “Taeyeon”, uma das mais aconchegantes e quentes to álbum, nota-se o uso de field recordings. Onde elas foram feitas? Esse tipo de técnica é comum em seu trabalho? O que achou dos resultados?

Eu ainda sou “noob” em assunto sobre field recordings, haha. Eu me lembro que, quando escrevi essa faixa, eu achei que ela tava muito pobre; era somente a trilha de piano e eu achei que estava que estava faltando uma atmosfera nessa faixa que a deixasse mais “atmosférica”, como ela já é. Então, como já trazia um interesse de querer usar field recordings em uma faixa minha, fiz o seguinte: em uma das minhas idas até a minha escola, decidi gravar tudo que acontecesse nesse dia e o resultado final, eu iria usar como “atmosfera” nessa mesma faixa. Todas as field recordings foram gravadas no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro (onde eu moro atualmente) e gravei alguns field recordings durante minha viagem até Seul, na Coréia do Sul, uma dessas field recordings se encontra na faixa “Hyun Isles I”. Esse álbum foi a minha primeira experiência em utilizar field recordings e adorei o resultado final delas e de como esses samples criam uma atmosfera única para uma faixa.

Eu não costumo usar field recordings em meu trabalho, o que eu faço é gravar samples por aí, do mesmo jeito que gravo as field recordings e usá-las como samples de voz ao fundo da faixa, modificá-las eletronicamente para criar outros sons ou, até mesmo, como uma batida ou “drum hits” em alguma faixa.

Seu estilo musical é bastante variado. Qual seu background musical e por que você escolheu ser um compositor de música eletrônica experimental?

Meu principal “background musical” é o artista Benn Jordan (The Flashbulb). Acho que o estilo de breakcore melódico dele é único, diferente do “breakcore/grindcore” genérico que eu acho por aí afora. Outra influência musical minha também, mesmo parecendo algo inútil é o sample “amen break”. Quando eu estou editando o amen break, mesmo eu sem ter uma melodia para esse sample, a partir da edição que eu estou fazendo nesse sample, a melodia vem logo à frente.
Sobre ser um compositor de música eletrônica experimental, isso só aconteceu de repente… Lembro-me que estava de férias do meu colégio, em 2006, de repente eu dei de cara com um DAW chamado Fruity Loops, aí comecei com umas faixas mais “mainstream”. Quando eu vi, já estava virando uma obsessão e comecei a compor algo mais sério, mais experimental, se focando na edição dos samples e dos clássicos breakbeats, como o já citado “amen break”. Simplesmente aconteceu.

Um dos maiores preconceitos que a música eletrônica sofre, tanto no Brasil como no exterior, é quanto a seu modo de produção. Dizem que ela não tem alma, que é repetitiva, que qualquer um pode compô-la. Quebre esse mito falando um pouco de sua experiência como compositor e ouvinte deste gênero.

Eu acho que a música eletrônica, assim como o (bom) rock tem suas vertentes e é bem diversificado, a música eletrônica também é, mas do mesmo jeito que o rock, a música eletrônica tem vertentes bons e ruins. Acontece que brasileiro generaliza muito a música eletrônica, por achar que a música eletrônica se resume somente em progressive trance, electro house e outras vertentes “mainstream” da dance music. Música eletrônica é muito mais de DJing, é muito mais de batidas repetitivas 4-to-the-floor. Eu até concordo que qualquer um pode compor música eletrônica, mas fazer música eletrônica com “sentido” é algo totalmente diferente. Acho que o brasileiro generaliza demais a música eletrônica por, também, ela ser feita em cima de instrumentos eletrônicos e não soar tão “humano”. Brasileiro generaliza demais instrumentos acústicos e fazem muita expectativa sonora de um instrumento bobo feito de madeira e que tem 6 cordas.

E seus métodos de composição?

Eu costumo muito me inspirar no sentimento de isolação e a perturbação que a sociedade pode lhe trazer. Quando eu estou compondo, eu gosto de criar o caos perfeito. A primeira coisa que eu imagino quando estou compondo é uma pessoa que curte funk carioca, “happy rock” e outras merdas dizendo: “que música merda”. A segunda coisa que eu imagino quando estou compondo é uma pessoa que uma pessoa que é musicalmente aberto comentando algo de bom sobre o meu caos sonoro.

Como é ser um artista de música eletrônica no Brasil? Como é a recepção do público e quais são as ferramentas que você usa para divulgação?

Ser um artista de música eletrônica é bom e ruim ao mesmo tempo, porque, em qualquer lugar no mundo, você é obrigado a ficar muito “à mercê” por público em geral e, aqui no Brasil, é muito difícil. Quando você diz que faz música eletrônica, o que vem na mente do brasileiro é que você é um DJ que fica tocando música de outros artistas somente para se sentir o “cool da night”. O povo brasileiro está acostumado a ouvir hit singles de progressive dance music, ver jovens de 15 anos dançando “free-step” (que, sinceramente, é uma palhaçada sem fim) e DJs tocando as músicas mais “badaladas na night”. Agora, vai explicar pr’um cara desses que você faz breakcore? A reação dessa pessoa será a mesma: “que porra é essa?”. E é isso que eu, às vezes, tenho receio de divulgar meu projeto pelo Brasil. Mas eu conheci várias pessoas muito legais na internet que curte o som do meu projeto e sabe muito bem o que eu estou fazendo nas músicas. Para se ter idéia, são poucas as pessoas que conheço pessoalmente que curtem o som do meu projeto, mas, se eu os consigo fazer curtir meu som, pelo menos já fico feliz, pois é esse tipo de público “mente aberta” que quero atingir.

Ferramentas de divulgação uso pouquíssimas. Só uso o last.FM para scrobbles, Bandcamp para postar minha discografia, que acabou ficando como “website oficial” mesmo, e só. Não sou muito de ficar mandando spam também não, como alguns músicos fazem.

Gostaria de adicionar mais algum comentário?

Queria agradecer o espaço que o Músicas em Foco abriu para a divulgação do meu projeto e, com certeza, de vários outros que existem por aí no Brasil. Vou aproveitar o espaço e dizer que, a partir do ano que vem, estou pensando seriamente em fazer uma “pseudo-mini-tour” pelo Rio, mas isso vai depender se eu não tiver com preguiça e ter um material bom para mostrar ao vivo, mas de qualquer forma, vai como um aviso. Irei atualizar o Bandcamp conforme esse lance de “mini-tour” se engrenar.

Inclua links e informações de contato que você gostaria de adicionar à entrevista.

Enfim, para a entrevista, vou deixar três faixas que são as minhas preferidas do disco:

Abstract Nostalgic Battery

I, The Wretched

The Basement Melancholic

Também vou deixar todos os links onde estou mais ativo, para qualquer tipo de informações futuras:

Bandcamp

Perfil Last.fm

e-mail: cesar_elevation@hotmail.com

http://soundcloud.com/the-industrialism